Já passavam das dez da noite quando sentei no sofá com o notebook no colo e conectei o cartão de memória para copiar os arquivos de áudio. Era uma quinta-feira, e naquele dia tinha conseguido organizar uma rápida entrevista no horário do almoço para o podcast do Futurospectiva, um projeto pessoal que comecei em 2018. Cansado, fazia aquilo mecanicamente, como mais uma tarefa adicionado ao meu dia de trabalho.
A animação de gravar o episódio tinha dado lugar à obrigação e à ansiedade, já antecipando as horas que eu ia perder no fim de semana seguinte editando o áudio sozinho. Para a surpresa de absolutamente ninguém, incluindo eu mesmo, aquele projeto não vingou. Mas isso não quer dizer que não valeu a pena.
Naquele ano eu consegui meu primeiro trabalho no terceiro setor. Eu tinha acabado de terminar minha pós graduação em Mídia, Política, e Sociedade na FESP, e meu interesse por fazer alguma coisa que gerasse impacto social só crescia. No meu trabalho, fazia isso usando a comunicação para compartilhar indicadores sobre o país, que a organização onde eu estava considerava úteis para que gestores públicos e formuladores de políticas públicas pudessem tomar decisões mais informadas.
Mas para além das tarefas de comunicação, esse trabalho abriu uma janela ao mundo das organizações sem fins lucrativos com quem eu interagia. Me surpreendia dia após dia vendo quantas outras ONGs também estavam trabalhando para gerar algum impacto positivo de acordo com a sua visão de mundo, e quantos futuros possíveis isso gerava. Também me interessava ver quais eram os interesses e as premissas por trás do que aquelas potenciais mudanças promoviam.
Quem Está Construindo o Futuro?
Além de organizações do terceiro setor, outras novas empresas de tecnologia prometiam esse mesmo impacto com as suas “soluções”. Algumas criavam softwares para governos, outras serviam como grandes catálogos de oportunidade de financiamento público para artistas, e muitas, MUITAS, outras surfavam na onda de que toda empresa tinha que ter propósito, e usavam o “blá” publicitário para tentar convencer desavisados de que aquela empreitada com fins lucrativos tinha mesmo o objetivo de mudar o mundo.
No primeiro momento veio o deslumbre e a curiosidade, o interesse de saber mais e tentar mapear todas as iniciativas que eu encontrava por aí, um trabalho de aprendizado pessoal e pesquisa. Queria conversar com as pessoas que estavam por trás desses projetos, entender suas motivações, suas premissas, suas visões de futuro. Queria identificar o que de fato ia trazer mudanças, e o que era discurso. Também queria pesquisar o que já estavam fazendo de interessante pelo mundo e que poderia servir de informação para nós aqui no Brasil.
Depois, meu lado jornalista começou a tomar conta e pensei em como poderia compartilhar um pouco do que descobria. De início despretensiosamente pensei em criar um blog, mas juntei essa ideia à vontade que tinha de aprender a fazer um podcast. Desse grande bolo de ideias, e de uma fatídica noite de insônia, nasceu o Futurospectiva.
Futurospectiva
Depois de um pequeno processo de atualização de aprendizado sobre compra de domínios, hospedagem de sites, gravação de podcasts, e plataformas de distribuição, comecei a desenvolver algo simples que poderia colocar no mundo sem muita demora. Falei com um colega designer (o incrível Leon Correia) que criou uma identidade visual, pesquisei sobre branding de audio para o podcast, e sobre como podia usar os equipamentos que já tinha em casa para começar a colocar a ideia em prática.
Com o site no ar, publiquei textos sobre temas dos quais tinha uma pesquisa mais ampla em mãos. Entre algumas outras coisas que estão por lá, falei sobre como funciona o sistema de governo digital da Estônia, as preocupações emergentes sobre uma Internet fragmentada, e gravei um episódio do podcast sobre educação política com o Politize. A lista de ideias de pauta era imensa, maior do que a vida me permitia naquele momento.
Episódio do Futurospectiva em que entrevistei o Diego Calegari, do Politize.
Com o tempo as pesquisas continuaram, mas as demandas do trabalho e dos estudos acabaram falando mais alto. O tempo que eu tinha para dedicar a escrever textos, gravar entrevistas, editar podcasts, manter o site, e publicar em plataformas diversas, foi se tornando escasso. Manter o Futurospectiva no ar ficou insustentável, e no mesmo ano de 2018 parei de atualizar o site.
O Que Um Projeto Pessoal Pode Ensinar?
Apesar de sua vida curta, o Futurospectiva foi um processo importante para que eu pudesse descobrir sobre o que gosto de escrever, e para desenvolver algumas habilidades técnicas que têm sido úteis nos meus trabalhos desde então. Para além das pesquisas, das entrevistas, e de todo o conhecimento das pautas que o site me trouxe, ele também foi um exercício sobre como de fato colocar algo no ar. Foi uma amostra prática de todo o trabalho que é necessário depois da apuração e redação até que uma história esteja no blog e em todas as plataformas de streaming.
Tudo serviu de base para outros projetos, como o podcast Coisa Pública que criei quando trabalhava liderando o time de comunicação do CLP, as diversas histórias de impacto que escrevo ou coordeno trabalhando na Internet Society, e até o meu mestrado sobre redes comunitárias de Internet.
Também foi um importante exercício sobre priorização, e como não é necessário complicar demais as coisas antes mesmo de começar. É possível que se, naquela época, eu tivesse apenas criado um blog simples, sem pretenção de manter um ritmo de publicação contínuo que eu não daria conta de manter, o Futurospectiva estaria vivo até hoje. De uma maneira ou de outra está, porque ainda vou compartilhar algumas destas descobertas neste blog.
Uma versão mais simples do Futurospectiva continua online pelo WordPress, e você pode ver mais aqui.