Imagem de uma viscacha, um animal parecido com um coelho.

Criando Jogos e Histórias Interativas no Twine

A primeira vez que entrei no Itch.io confesso que fiquei um pouco perdido. O site é uma plataforma onde desenvolvedores de jogos independentes publicam suas criações, desde pequenas histórias interativas em texto até as mais completas aventuras em 3D com mecânicas complexas.

Sua página inicial é o equivalente a uma grande sala de arcade, com estímulos visuais, uma infinidade de temas, links e filtros de busca que geram ansiedade por ter mais coisa disponível do que qualquer um pode experimentar em toda uma vida. A coleção infinita de artistas digitais ali prova que quem pensa que só grandes estúdios conseguem fazer jogos digitais está muito enganado.

Quando comecei a navegar pelos filtros, sabendo mais ou menos o que eu queria encontrar, escolhi um jogo para experimentar. Depois outro, mais um e um último só pra garantir. Todos foram jogos que rodam diretamente no navegador de Internet, sem que eu precise baixar ou instalar nada, pequenas experiências que consigo aproveitar quando quero fazer uma rápida pausa. O que vi ali foi uma pequena revolução do que significa “fazer games” para mim.

A Ascensão Dos Zinesters De Videogames

Quando estudava design de games, lá em 2007, as pessoas que conhecia que faziam jogos independentes publicavam em Flash, um programa que também rodava em navegadores de Internet (e sempre travava sites). Sites como o do Cartoon Network (que descanse em paz) traziam vários desses jogos rápidos, e por um tempo até aprendemos a desenvolver na plataforma que se tornava famosa para passatempos e para jogos publicitários.

Mas eu nunca reconheci aquilo como um movimento criativo, via isso só como uma forma de criar portfólio ou exercitar algum aprendizado. Só mais tarde descobri toda a cena global que estava acontecendo, não só com o Flash mas com outras ferramentas, como é o caso do Twine.

O livro “The Rise of Video Game Zinesters” da game designer Anna Anthropy discorre sobre esse movimento, mostrando como pessoas começaram a ver jogos digitais como uma forma de arte e se expressado através deles.

Vou falar sobre videogames como uma forma de arte. O que eu quero dizer é que jogos, digitais ou não, trasmitem ideias e uma cultura. Isso é algo que eles compartilham com poemas, romances, álbuns de música, filmes, esculturas e pinturas. Uma pintura mostra um objeto como imagem, enquanto um jogo mostra como ter a experiência desse objeto a partir de um sistema de regras.

Esse movimento independente, que eventualmente levou a uma infinidade de jogos maravilhosos sendo publicados também com fins comerciais, cresceu em parte porque tanto as ferramentas quanto as formas de publicação se tornaram mais técnica e financeiramente acessíveis para criadores. Gente como eu, sem uma base sólida de programação, finalmente conseguia colocar suas ideias em prática. E foi isso que resolvi fazer com o Twine.

Escolha A Sua Narrativa

O Twine é uma ferramenta em software livre para a criação de histórias interativas e não-lineares. Ele permite agregar várias funcionalidades extras a histórias textuais, como criar hiperlinks entre passagens, acrescentar música ou efeitos sonoros, ou ainda animar palavras. Depois de escrever—e programar um pouquinho só—cada história, o Twine exporta uma versão dela em HTML que pode ser hospedada em qualquer site e jogada em navegadores de Internet.

Exemplo de tela de organização do Twine. A imagem mostra um fundo com linhas quadriculadas. Sobre elas estão dispostos diversos quadrados como se fossem post-its, com pequenos pedaços de texto. Estes quadrados estão conectados por linhas e setas.
Além de deixar a história mais interativa, o Twine também facilita muito a visualização das escolhas

Depois de assistir um tutorial rápido sobre como criar o seu primeiro jogo de Twine em 10 minutos, resolvi experimentar o que o vídeo propunha com alguma coisa da minha própria cabeça. Fiz qualquer história sem muito sentido, mas o prazer de ver palavrinhas simples ganhando vida interativa foi demais pra mim, então logo resolvi pensar em alguma coisa mais elaborada.

Na época já estava com a ideia de criar a Mil Palavras, a newsletter onde todo mês escolho uma fotografia autoral minha e conto uma história de mais ou menos mil palavras a partir dela. Como o projeto ainda não tinha começado, resolvi usar a ideia de inspiração e criar alguma narrativa a partir de uma foto que tirei em uma viagem ao Atacama há alguns anos.

O Primeiro Jogo: Remains of Life

Comecei escrevendo o texto corrido normalmente, queria ter uma estrutura inicial da história para então ir construindo alternativas e detalhes. Mas logo que comecei a expandi-la no Twine vi como esse tipo de narrativa ajuda a exercitar a criatividade. Cada pequena mudança na história forçava com que me perguntasse “e se” milhares de vezes. A mudança na ferramenta de criação e de como pessoas poderiam viver a história no seu produto final influenciou diretamente o que eu estava construindo. McLuhan continua certo, o meio é a mensagem.

Depois de mais ou menos um dia de trabalho, a primeira versão de Signs of Life estava quase pronta. A história acompanhava uma cientista, Martha, que explorava um planeta deserto em busca de sinais de vida. Acabei usando três fotografias ao longo do jogo para ilustrar o texto, gerando mais ou menos quatro finais alternativos.

Quando joguei pelas primeiras vezes vi que algo me incomodou. As cores, a fonte, as fotos, tudo estava ajudando a gerar o ambiente que eu queria para a história. Mas o silêncio absoluto não ajudava na atmosfera. Resolvi então compor alguma coisa simples que pudesse ficar tocando em loop durante o jogo, algo que ajudasse na ambientação mas que não chamasse tanto a atenção para si a ponto de desconcentrar a leitura. Conectei o teclado no computador, brinquei um pouco no garage band e aprendi como incluir áudios no jogo e deixá-los em loop. Logo tinha uma versão que me deixou mais feliz, fazendo dela a primeira publicação no meu novo perfil do itch.io. Jogue para descobrir o que o animal na imagem de capa desse post tem a ver com o jogo.

Como Continuar Criando

Depois desse primeiro experimento comecei a querer descobrir mais sobre as outras pessoas que estavam criando como eu. Alguns coletivos de criadores promovem game jams—eventos onde são colocadas regras específicas para a criação de games, normalmente com prazo curto e fomentando a colaboração—para inspirar novas histórias. Participei de um deles e conheci pessoas que estão fazendo trabalhos incríveis. Agora sempre fico de olho em novos eventos para ter uma desculpa de dedicar algum tempo à criação de um jogo novo.

Em uma dessas game jams criei a história de um artista de rua chamado Malaquias, mas essa jornada completa você pode conhecer nesse post.

Ainda não comecei a trabalhar no terceiro jogo—apesar de ter algumas ideias para ele. Quem sabe não passe a explorar os universos de algumas histórias da Mil Palavras, ou crie algo completamente novo. Quando isso acontecer provavelmente vou compartilhar por aqui, mas você pode acompanhar o meu perfil no itch.io para jogar em primeira mão.

Links Úteis e Recomendações

Algumas referências e recomendações que cruzaram meu caminho enquanto começava a explorar o mundo de jogos no Twine, além de leituras sobre criação de jogos em geral e narrativas que me inspiraram.

Itch.io da Kaitlin Tremblay – A escritora e desenvolvedora de jogos tem vários jogos curtos autorais publicados na página dela. Recomendo como exemplo do que se pode fazer com esse tipo de narrativa.
Twinery.org – O site do Twine, onde você pode fazer o download gratuito da ferramenta, além de explorar vários tutoriais ou até mesmo usá-la online para experimentar.
Livro “The Rise of Video Game Zinesters” – Anna Anthropy faz um ótimo trabalho contando a história de um movimento de criadores independentes de jogos no contexto do lançamento do livro em 2012, além de inspirar qualquer pessoa a querer começar a fazer seu jogo imediatamente.
Amanhã, Amanhã, E Ainda Outro Amanhã, de Gabrielle Zevin – Diferente das demais recomendações, esta é uma obra de ficção e um dos livros mais divertidos que li em 2023. A criação de jogos, a ideia de jogo como arte e a relação de artista com a obra estão sempre presentes nessa história que me deixou com vontade de fazer um jogo.

Assine a Mil Palavras e acompanhe novas histórias, fotografias e posts.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *