Disclaimer: na data de publicação desse post eu trabalho como líder do projeto “Connecting the Unconnected” da Internet Society, onde apoiamos comunidades que estão construindo suas próprias redes no mundo todo.
Em 2017, uma comunidade quilombola no Maranhão usou a Internet para fazer uma denúncia de mais um conflito por terra com fazendeiros locais. Era a primeira vez que faziam isso online, e o que então era sua nova conexão trouxe mais segurança para uma atividade que antes já tinha resultado em perseguição. Mas ao contrário do que acontece nos grandes centros urbanos, não foi uma operadora tradicional que foi responsável pela oferta do acesso. Foram eles mesmos que construíram, e são quem gerenciam, sua Internet.
A comunidade vive no Bairro Novo, em Penalva, no estado do Maranhão. O desenvolvimento de uma rede comunitária foi a resposta que eles deram a um problema muito comum no Brasil e no mundo: a impossibilidade de acesso a serviços de Internet em zonas rurais ou distantes de centros urbanos, seja por falta de infraestrutura ou por preços inviáveis para a população local. Depois de 20 anos de crescimento no número de pessoas conectadas globalmente, hoje existe uma estagnação no avanço que reflete os limites do atual modelo de expansão, onde operadoras de telecomunicações são as grandes responsáveis por levar acesso a mais pessoas. Por isso, modelos alternativos têm ganhado espaço e desafiando os monopólios de telecomunicação, como o de redes comunitárias de Internet.
O que são redes comunitárias de Internet?
No modelo de redes comunitárias de Internet, comunidades desenvolvem e gerenciam sua própria infraestrutura local. Na maior parte dos casos (mas não em todos), elas usam equipamentos de conexão sem fio por seu fácil acesso e preço reduzido, criando uma rede de comunicação digital local que então busca encontrar uma forma de se conectar ao resto da Internet. Para isso podem fazer parcerias com próprias operadoras, usar conexão via satélite, ou até mesmo compartilhar o acesso com instituições públicas como escolas e bibliotecas.
Existem diversas definições sobre o tema, uma das mais conhecidas sendo a da Declaração de Conectividade Comunitária, que destaca 7 características comuns:
- Propriedade coletiva: a infraestrutura da rede é gerenciada como um recurso comum na comunidade onde ela é desenvolvida;
- Gestão social: a infraestrutura da rede é tecnicamente operada pela comunidade;
- Design aberto: os detalhes de implementação e gestão da rede são públicos e acessíveis a todos;
- Participação aberta: qualquer pessoa está permitida a estender a rede, desde que respeite os princípios e o desenho da rede;
- Promoção do peering e trânsito: redes comunitárias devem sempre que possível estar abertas a acordos de tráfego e interconexão livres de custos;
- Promoção e consideração de medidas de segurança e privacidade durante o desenvolvimento e operação da rede;
- Promoção do desenvolvimento e circulação de conteúdos locais em línguas locais, assim estimulando interações na comunidade e o desenvolvimento comunitário.
Essas redes têm crescido na última década, em muitos casos apoiadas por organizações sem fins lucrativos locais e globais. No Brasil, o Instituto Nupef e o Instituto Bem-estar Brasil (IBEB) foram pioneiros no tema e seguem muito ativos trabalhando com comunidades de diversas regiões do país, incluindo comunidades de baixa renda em centros urbanos, comunidades indígenas, e quilombolas. Em todo o mundo comunidades estão adotando soluções similares, cada uma com sua peculiaridade. Muitas são apoiadas por organizações internacionais como a Internet Society e a Association for Progressive Communications (APC).
Saiba mais sobre redes comunitárias
Como comentei no disclaimer da abertura, a Internet Society tem um programa global de apoio a redes comunitárias, e também publicamos algumas experiências de sucesso lideradas por comunidades de todas as regiões do mundo.
Além disso, publiquei um estudo sobre essas redes e como organizações transnacionais da sociedade civil têm um papel importante para apoiá-las no meu projeto de mestrado. Também publiquei a mesma pesquisa em um artigo para a Rede de Pesquisa em Governança da Internet. Nesses recursos você encontra uma diversidade de fontes para se aprofundar no tema.
One Comment